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domingo, 14 de março de 2010

Sobre vagabundas, universitários e 8 de março 100 anos depois

08.03.2010 · Sem categoria

Há pouco mais de uma semana participei de uma debate sobre educação e uma outra universidade possível na USP. Dentre outros debatedores estava na
mesa o professor Chico de Oliveira, sociólogo dos mais reconhecidos,
responsável por obras-primas como “Crítica à razão dualista” e “Elegia
para uma Re(li)gião”.

Respeito muito o Chico por suas obras e pela contribuição que deu como intelectual de esquerda, progressista. Contudo, boa parte de suas últimas declarações têm sido indefesáveis.

Naquele debate na USP, ao tentar defender que a diferença entre classes era o eixo estruturante das opressões em nossa sociedade – opinião não contestada por nenhum debatedor – Chico resolveu abordar a
questão da divisão sexual, excedeu-se e se perdeu absolutamente.
Afirmou em alto e bom som para toda a platéia do auditório cheio onde
estávamos, que a opressão de gênero, contra a mulher, havia terminado e
a prova disso era a grande quantidade de mulheres que entravam na
faculdade. Eu não ouvi de terceiros, não li em nenhum lugar, escutei
direto do Chico, na mesa.

Na hora me veio à cabeça o questionamento sobre o quanto a universidade e sua “intelectualidade” pode estar descolada da realidade, mesmo quando falamos de pensadores “progressistas”.

Quem pode ignorar a violência contra a mulher, a quantidade de mulheres que morre por não ter direito ao próprio corpo, a desigualdade de salários, o machismo presente em todas as camadas sociais? A
universidade, teoricamente lugar da crítica, do pensamento
transformador e livre, por mais das vezes torna-se um mundo à parte do
mundo.

Mas, apesar das máscaras, a realidade bate às portas do mundo da fantasia. Na recepção aos calouros da USP várias demonstrações contrariaram de forma contundente o professor Chico de Oliveira. Na
mais repercutida delas, um cartaz divulgado por alguns alunos da Escola
de Comunicação e Artes (ECA) referia-se às estudantes daquela faculdade
como vagabundas.

Reproduzo abaixo um excelente artigo da Tati Ribeiro, estudante da ECA sobre o episódio. Uma lição para todos nós, consideremo-nos intelectuais ou não. Um século depois da decisão de que todo 8 de março
deveríamos lembrar das mulheres que reivindicaram seus direitos e foram
queimadas vivas em uma fábrica de Nova Iorque.


Maurício Costa


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Vagabundas, gostosas e outras piadas


(Tatiane Ribeiro)


100 anos do Dia Internacional das Mulheres. Ou seja, no mínimo, 100 anos de luta das mulheres. Conquistamos muitos direitos, e não foi fácil. Mulher, hoje, tem o direito de estudar, votar, trabalhar (mesmo
que os índices provem que a mulher ainda ganha menos que o homem na
mesma posição – e se for negra, então…).

Mas, hoje, dizem que com a liberalização, com a pílula anticoncepcional etc, a mulher pode se considerar sexualmente livre. Ela pode, enfim, ser dona e responsável por seu próprio corpo, sem ser
coagida pelo seu senhor (pai, marido, sociedade). PODE?

Entre os muitos recadinhos, ali está, sem critérios, o “ecana vagabunda… eu bem que avisei”. Avisou? A quem? Obrigada por me contar que eu sou uma vagabunda. Obrigada por me contar que você, macho alfa,
tem o direito de fazer não importa o que e eu, pobre fêmea da espécie
que sou, não posso. Obrigada por me avisar que o ambiente universitário
é tão machista e conservador quanto todo o resto da sociedade. É sempre
bom ser lembrada que ainda tenho muito por que brigar… e muita
passeata, muita luta pelo direito das mulheres.

“Ah, mas é só uma brincadeira”. Sim, é uma brincadeira. Mas, vamos aos fatos: é na brincadeira que se pode dizer qualquer coisa que quiser, e tudo bem. É só uma brincadeira. É na brincadeira que as
verdades enrustidas podem vir a tona. Porque rir no final é dizer amém,
mas ao mesmo tempo, é fingir que não concorda.

Só por brincadeira, quando eu estava no Ensino Médio, sempre que alguma coisa sumia, eu ouvia: “procura nas coisas da Tati, ela é preta!”. E só pra se divertir, outros colegas adoram falar de quantos
essa ou aquela já pegaram. Mas, olha, são só brincadeiras, nada de mais.

Mas vamos a um fato mais recente: só por brincadeira, certos estudantes de uma universidade PARARAM as aulas, gritando que a colega era uma vagabunda por conta do tamanho da saia que estava usando. E por
conta dessa brincadeira, ela se viu obrigada a se trancar em uma sala e
ser escoltada pela Polícia Militar para conseguir sair.

Não, não estamos falando da USP. Nela, alunos da Faculdade de Direito escreveram em um jornal do Centro Acadêmico XI de Agosto (em 2005) que homossexualismo é doença e que AIDS é a solução. Mas não se
preocupe, foi só uma piada de mal gosto, nada de mais.

E não estamos falando da ECA, porque a Escola de Comunicações e Artes é livre, aceita todos os tipos diferentes. Mas não sem uma piadinha ou outra. Não sem fazer rótulos. Não sem dizer que o curso de
Jornalismo tem o ano sim e o ano não. Deixe-me explicar a piada: no ano
sim, todas as meninas são lindas e os caras são gays. No ano não, os
caras são machos, mas as meninas são barangas.

E é assim, piada a piada, que continuamos numa sociedade machista. Que continuamos fazendo da mulher um pedaço de carne ambulante. Que as dividimos entre as “pra comer” e as “pra casar”. E
isso não é uma piada. Como não é engraçado ser abordada na rua, ser
coagida, ter que pensar numa roupa que não seja provocante de mais,
porque senão, depois não reclame…

Enquanto as piadas super engraçadas continuarem passando, ainda teremos homens e mulheres achando que é normal que haja diferenciação de salários, que seja normal que a mulher tenha dupla jornada (no
trabalho e nas tarefas femininas da casa). São essas as piadas que
perpetuam que a mulher só pode chegar a um grande cargo se transar com
o chefe, afinal, teste do sofá nela.

Peço desculpas aos leitores que acham que estou exagerando. A vocês, sugiro que pensem em certezas implícitas: por que as mulheres tem que escolher entre serem bem-sucedidas e terem família? Por que as
mulheres não podem andar de decote e/ou saias curtas? E por que elas
tem que ter um homem para serem felizes?

Eu dou as respostas:por que as mulheres tem que escolher entre serem bem-sucedidas e terem família? “Essa aí largou os filhos na vida, só pensa em trabalho”. Por que as mulheres não podem andar de decote
e/ou saias curtas? “Ê, lá em casa!” E por que elas tem que ter um homem
para serem felizes? “Ih, a fulana já tem 40 e tá solteirona. Já ficou
pra titia…”

Mas não se preocupe, eu estou exagerando… são só piadas…


Aí está o cartaz:



http://mauriciocosta.blog.br/2010/03/08/sobre-vagabundas-universitarios-e-8-de-marco-100-anos-depois/

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