Nota de Repúdio:homofobia no Centro Acadêmico de Medicina Veterinária - USP
No dia 11 de outubro de 2008, os estudantes Jarbas e José Eduardo, ambos do curso de Letras da USP, foram vítimas de homofobia em festa promovida pelo Centro Acadêmico de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP). Ao se beijarem publicamente no evento, o som foi desligado e os estudantes sofreram agressões verbais e físicas de diversas pessoas presentes. Ao se inteirar dos fatos, o CORSA – organização não-governamental de defesa de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) - foi procurado pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes). Solicitou-se que Dário Neto, também aluno da USP e um dos coordenadores do CORSA acompanhasse e orientasse os dois estudantes para que tomassem as medidas cabíveis contra essa ação homofóbica.
Como grupo atuante na cidade de São Paulo desde 1995, o CORSA tem acompanhado e orientado vítimas de homofobia, forma de violência que a cada ano é responsável pela morte de mais de 100 LGBTs em todo o Brasil. Por isso, uma vez notificados sobre o ocorrido, além de nosso apoio e solidariedade, passamos a agir no sentido de que os agressores sejam punidos, inclusive judicialmente. Mesmo que no Brasil este tipo de agressão ainda não seja considerado crime, a Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação e a legislação paulista pune, administrativamente, com a lei 10.948/2001, a discriminação com base na orientação sexual. Subjaz a estes instrumentos legais o respeito à dignidade da pessoa humana ao qual todas e todos temos direito, bem como o direito à diversidade na expressão dos afetos.
Neste sentido, entendemos que a punição é necessária neste caso como medida preventiva capaz de constranger e impedir a ocorrência de novas violências. Isso se torna imprescindível diante da constatação de que a Universidade pouco ou nada faz para educar seus membros para a saudável convivência com a diferença, combatendo o preconceito e estimulando o respeito, seja ele de ordem socioeconômica, de origem regional, de raça/etnia, de geração, por presença de deficiência, entre tantos outros, inclusive por identidade de gênero (no caso das travestis e transexuais) ou orientação sexual (no caso de gays, lésbicas e bissexuais).
Em nota pública, o estudante Bruno, presidente do Centro Acadêmico da Medicina Veterinária, afirma não ter tido a intenção de discriminar os dois estudantes por serem homossexuais. Ressaltamos, no entanto, que ao acionarmos as instâncias universitárias e recorrermos à DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – não está sendo cobrada a motivação subjetiva deste Presidente, sendo ele a pessoa que desligou o som, expondo vexatoriamente os alunos Jarbas e José Eduardo que se beijavam. Não é possível avaliar ou mensurar a intencionalidade da ação, mas ela foi originada pelo beijo entre dois homens e resultou em agressões concretas. O presidente do C.A. alega fazer isso com quaisquer casais, contudo diversos testemunhos a que tivemos acesso dão conta de que essa informação não procede. Seria ademais inconcebível que um DJ se prestasse a desligar o som para cada beijo dado em suas festas, pois elas simplesmente não aconteceriam!
Outro argumento utilizado pelo estudante Bruno é de que o casal havia exagerado nas carícias, não detalhando porém o que considera “exagero”. Conforme mostra nossa experiência, em casos semelhantes com os quais lidamos desde 1995, é o agressor que tende a aumentar os fatos por meio de um discurso moralista, transparecendo seu preconceito ao considerar um simples beijo em si “descabido” por serem de duas pessoas do mesmo sexo. Em 2003, quando o segurança do Shopping Frei Caneca discriminou o casal de rapazes que se beijava naquele estabelecimento (processo acompanhado por nós, na época), essa mesma argumentação moralista foi utilizada pelo Administrador. A tentativa de desqualificar moralmente ao dizer que “haviam exagerado no beijo” reforça a visão e a postura homofóbica ao diferenciar as carícias trocadas entre pessoas homo e heterossexuais.
Entendemos que é necessária uma punição legal como forma de prevenção. Ao interromper o som e acender as luzes, o Presidente do C.A. produziu um contexto de violência que poderia ter tido um desfecho de maior gravidade. A ação de cada um dos presentes também é censurável e deve ser igualmente punida. Ao contrário dos estudantes agredidos, o agressor teve proteção de seus colegas e foi posteriormente escoltado por mais de 15 pessoas até um veículo, sendo que o Centro Acadêmico refere-se a este um agressor como um “desconhecido” , eximindo-se de quaisquer responsabilidade perante os atos do mesmo. Em conseqüência à visita à DECRADI, foi instaurado inquérito policial cabendo agora à polícia identificar o agressor e enquadrá-lo na lei, responsabilizando- o por sua atitude homofóbica.
Por fim, a nosso ver a Universidade de São Paulo e suas instâncias não podem se calar diante deste acontecimento, sendo fundamental que se manifeste publicamente a respeito de uma atitude homofóbica ocorrida em suas dependências e que afetou membros de sua comunidade. A USP, como renomada instituição educacional, tem a tarefa de preparar seus estudantes para o exercício da cidadania baseada no respeito e na tolerância, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que no próximo dia 10 de dezembro completa 60 anos de existência. Se atos violentos e homofóbicos praticados por estudantes continuam a acontecer, entendemos que a USP tem falhado com seu papel pedagógico. Assim, é imprescindível que a USP reveja a postura pedagógica de suas unidades e garanta ao seu corpo discente uma formação voltada para a cidadania plena. Além disso, vale lembrar que, no episódio em tela, a Guarda Universitária foi acionada e compareceu somente duas horas depois, tendo o funcionário presente se negado a registrar ocorrência ou dar qualquer assistência às vítimas de homofobia. Isto torna evidente que tanto estudantes quanto funcionários desta Universidade não têm sido preparados para lidar com essas questões. Propor e realizar ações integradas que articulem a Diversidade Racial/Étnica, de Gênero e de Diversidade Sexual é passo indispensável para assegurar que amanhã ou depois não tenhamos que lidar com situações mais graves de racismo, maschismo e homofobia praticadas com o respaldo da Universidade. Só assim a USP estará efetivamente contribuindo para a construção de uma sociedade justa, democrática e solidária.
São Paulo, 30 de outubro de 2008
C O R S A
em defesa da plena cidadania de lésbicas, gays,bissexuais, travestis e transexuais
CORSA – Rua Conde de São Joaquim, 179 – Bela Vista – 01320-010- São Paulo – SP – Fone: (11) 7171 5055 www.corsa.org.br corsasp@hotmail.com
No dia 11 de outubro de 2008, os estudantes Jarbas e José Eduardo, ambos do curso de Letras da USP, foram vítimas de homofobia em festa promovida pelo Centro Acadêmico de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP). Ao se beijarem publicamente no evento, o som foi desligado e os estudantes sofreram agressões verbais e físicas de diversas pessoas presentes. Ao se inteirar dos fatos, o CORSA – organização não-governamental de defesa de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) - foi procurado pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes). Solicitou-se que Dário Neto, também aluno da USP e um dos coordenadores do CORSA acompanhasse e orientasse os dois estudantes para que tomassem as medidas cabíveis contra essa ação homofóbica.
Como grupo atuante na cidade de São Paulo desde 1995, o CORSA tem acompanhado e orientado vítimas de homofobia, forma de violência que a cada ano é responsável pela morte de mais de 100 LGBTs em todo o Brasil. Por isso, uma vez notificados sobre o ocorrido, além de nosso apoio e solidariedade, passamos a agir no sentido de que os agressores sejam punidos, inclusive judicialmente. Mesmo que no Brasil este tipo de agressão ainda não seja considerado crime, a Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação e a legislação paulista pune, administrativamente, com a lei 10.948/2001, a discriminação com base na orientação sexual. Subjaz a estes instrumentos legais o respeito à dignidade da pessoa humana ao qual todas e todos temos direito, bem como o direito à diversidade na expressão dos afetos.
Neste sentido, entendemos que a punição é necessária neste caso como medida preventiva capaz de constranger e impedir a ocorrência de novas violências. Isso se torna imprescindível diante da constatação de que a Universidade pouco ou nada faz para educar seus membros para a saudável convivência com a diferença, combatendo o preconceito e estimulando o respeito, seja ele de ordem socioeconômica, de origem regional, de raça/etnia, de geração, por presença de deficiência, entre tantos outros, inclusive por identidade de gênero (no caso das travestis e transexuais) ou orientação sexual (no caso de gays, lésbicas e bissexuais).
Em nota pública, o estudante Bruno, presidente do Centro Acadêmico da Medicina Veterinária, afirma não ter tido a intenção de discriminar os dois estudantes por serem homossexuais. Ressaltamos, no entanto, que ao acionarmos as instâncias universitárias e recorrermos à DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – não está sendo cobrada a motivação subjetiva deste Presidente, sendo ele a pessoa que desligou o som, expondo vexatoriamente os alunos Jarbas e José Eduardo que se beijavam. Não é possível avaliar ou mensurar a intencionalidade da ação, mas ela foi originada pelo beijo entre dois homens e resultou em agressões concretas. O presidente do C.A. alega fazer isso com quaisquer casais, contudo diversos testemunhos a que tivemos acesso dão conta de que essa informação não procede. Seria ademais inconcebível que um DJ se prestasse a desligar o som para cada beijo dado em suas festas, pois elas simplesmente não aconteceriam!
Outro argumento utilizado pelo estudante Bruno é de que o casal havia exagerado nas carícias, não detalhando porém o que considera “exagero”. Conforme mostra nossa experiência, em casos semelhantes com os quais lidamos desde 1995, é o agressor que tende a aumentar os fatos por meio de um discurso moralista, transparecendo seu preconceito ao considerar um simples beijo em si “descabido” por serem de duas pessoas do mesmo sexo. Em 2003, quando o segurança do Shopping Frei Caneca discriminou o casal de rapazes que se beijava naquele estabelecimento (processo acompanhado por nós, na época), essa mesma argumentação moralista foi utilizada pelo Administrador. A tentativa de desqualificar moralmente ao dizer que “haviam exagerado no beijo” reforça a visão e a postura homofóbica ao diferenciar as carícias trocadas entre pessoas homo e heterossexuais.
Entendemos que é necessária uma punição legal como forma de prevenção. Ao interromper o som e acender as luzes, o Presidente do C.A. produziu um contexto de violência que poderia ter tido um desfecho de maior gravidade. A ação de cada um dos presentes também é censurável e deve ser igualmente punida. Ao contrário dos estudantes agredidos, o agressor teve proteção de seus colegas e foi posteriormente escoltado por mais de 15 pessoas até um veículo, sendo que o Centro Acadêmico refere-se a este um agressor como um “desconhecido” , eximindo-se de quaisquer responsabilidade perante os atos do mesmo. Em conseqüência à visita à DECRADI, foi instaurado inquérito policial cabendo agora à polícia identificar o agressor e enquadrá-lo na lei, responsabilizando- o por sua atitude homofóbica.
Por fim, a nosso ver a Universidade de São Paulo e suas instâncias não podem se calar diante deste acontecimento, sendo fundamental que se manifeste publicamente a respeito de uma atitude homofóbica ocorrida em suas dependências e que afetou membros de sua comunidade. A USP, como renomada instituição educacional, tem a tarefa de preparar seus estudantes para o exercício da cidadania baseada no respeito e na tolerância, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que no próximo dia 10 de dezembro completa 60 anos de existência. Se atos violentos e homofóbicos praticados por estudantes continuam a acontecer, entendemos que a USP tem falhado com seu papel pedagógico. Assim, é imprescindível que a USP reveja a postura pedagógica de suas unidades e garanta ao seu corpo discente uma formação voltada para a cidadania plena. Além disso, vale lembrar que, no episódio em tela, a Guarda Universitária foi acionada e compareceu somente duas horas depois, tendo o funcionário presente se negado a registrar ocorrência ou dar qualquer assistência às vítimas de homofobia. Isto torna evidente que tanto estudantes quanto funcionários desta Universidade não têm sido preparados para lidar com essas questões. Propor e realizar ações integradas que articulem a Diversidade Racial/Étnica, de Gênero e de Diversidade Sexual é passo indispensável para assegurar que amanhã ou depois não tenhamos que lidar com situações mais graves de racismo, maschismo e homofobia praticadas com o respaldo da Universidade. Só assim a USP estará efetivamente contribuindo para a construção de uma sociedade justa, democrática e solidária.
São Paulo, 30 de outubro de 2008
C O R S A
em defesa da plena cidadania de lésbicas, gays,bissexuais, travestis e transexuais
CORSA – Rua Conde de São Joaquim, 179 – Bela Vista – 01320-010- São Paulo – SP – Fone: (11) 7171 5055 www.corsa.org.br corsasp@hotmail.com
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